A análise documental é fundamental para os negócios imobiliários, já que essas transações fundam-se em documentos. E são diversos os documentos a serem analisados visando garantir segurança às negociações, dentre eles podemos destacar: documentos pessoais das partes, contratos, documentação do imóvel, certidões, impostos e taxas.
Todo imóvel deve ou deveria ter registro em cartório. Para fins de registro, são considerados bens imóveis, o solo e tudo que o incorporar.
Atualmente, o registro imobiliário é realizado via matrícula.
No Cartório de Registro de Imóveis são praticados dois atos principais: registro e averbação. Exemplos de registros: compra e venda, doação, usufruto e hipoteca. São exemplos de averbação: demolição, alteração no estado civil do proprietário, construção ou demolição no imóvel.
Mas, imóveis muito antigos podem não ter matrícula, tendo outro tipo de registro ou ainda nenhum registro.
Os imóveis que possuem matrícula ou transcrição, são popularmente conhecidos como imóveis escriturados.
A Lei 6.015 de 31 de dezembro de 1973, dispõe sobre os registos públicos e alterou o sistema de registro de imóveis, que consistia em inscrições e transcrições em livros diferentes.
Por força da lei 6.015 de 1973, cada imóvel deve ter uma matrícula, onde registra-se ou averba-se as modificações que esse imóvel venha a sofrer ao longo do tempo.
Perceba que tal determinação teve início com a vigência da referida lei, em 1973, isso quer dizer que é possível que ainda existam imóveis atualmente, apenas com transcrição, seguindo a forma de registro anterior a lei 6.015.
Pode ser um imóvel totalmente regular, que não demandou nenhuma mudança, a exemplo de registro de venda, doação, penhora ou qualquer outra que necessite de registro.
Um imóvel que tem transcrição em vez de matrícula, quando demandar algum tipo de registro, como esses já citados, será necessário abrir uma matrícula.
E o que é a matrícula do imóvel?
A matrícula é um dos documentos mais importantes para o processo de compra e venda de um imóvel.
É na certidão de matrícula de imóvel que constam todas as informações, dispostas num mesmo lugar – uma folha, em um livro ou ficha, que possui um número que identifica aquele imóvel.
Assim é que cada imóvel possui uma única matrícula.
Imagine que a matrícula é a certidão de nascimento do imóvel e nela constam informações como localização e tamanho, mas também quem era o seu proprietário quando a matrícula foi aberta, como foi originado aquele lote, se há uma construção no terreno, quando e se ocorreu a sua averbação.
A matrícula mostra todo o histórico de quem figurou como proprietário daquele imóvel.
Em teoria deve existir uma matrícula para cada imóvel. Mas, na prática é comum encontrarmos imóveis identificados como um único imóvel, mas que na verdade têm duas ou mais matrículas. A exemplo de grandes propriedades rurais que foram sendo adquiridas e tratadas como uma única, mas juridicamente são duas ou mais.
Por outro lado, temos erros cometidos por profissionais a exemplo de matrículas que deveriam ter sido unificadas e não foram.
O imóvel terá seu registro via matrícula ou transcrição no cartório de registro de imóveis. Tal cartório deve ser o da situação do imóvel, talvez não seja o cartório da região em que o imóvel está, por não existir um cartório de imóveis ali, mas certamente será o único cartório competente para registrar imóveis naquela região.
A matrícula do imóvel é um documento público, o que quer dizer que qualquer pessoa poderá ter acesso.
É importantíssimo que a matrícula retrate o que existe de fato no imóvel: suas confrontações, localização, dimensões, lote, características etc.
Não é incomum que, imóveis localizados em zona rural, com transcrições antigas, contem com confrontações e localizações contendo referências pouco técnicas a exemplo de referências e nomes de ruas e localidades imprecisas e incorretas.
Quando não existe uma boa descrição que permite identificar o imóvel e os seus limites, pode ser necessário retificar o registro desse imóvel.
Na matrícula constam todos os possíveis registros e averbações que o imóvel tenha demandado, já que cada ato jurídico deve constar nela.
Cada ato que altera ou afeta o imóvel e os seus proprietários, a exemplo de demolição, compra e venda, pacto antenupcial, partilha por inventário deve constar na matrícula.
É comum ocorrer confusões entre matrícula e escritura.
No entanto, as diferenças são facilmente percebidas, já que a escritura é um documento público, realizado pelo cartório de notas, que valida o acordo entre as partes. Já a matrícula é o documento que individualiza e traz o histórico do imóvel, de competência do cartório de registro de imóveis. (seria interessante mostrar aqui um exemplo de matrícula e escritura)
Apenas com o registro da escritura de compra e venda, na matrícula do imóvel, que o adquirente torna-se proprietário.
É isso que determina o Código Civil, em seu art. 1.245:
Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.
§ 1 o Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.
§ 2 o Enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de invalidade do registro, e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser havido como dono do imóvel.
Art. 1.246. O registro é eficaz desde o momento em que se apresentar o título ao oficial do registro, e este o prenotar no protocolo.
Quando o código civil fala em título ele está se referindo ao documento considerado hábil para o registro. E em se tratando de compra e venda, o documento é a escritura pública.
Mas, existem hipóteses em que a legislação autoriza que a aquisição do imóvel ocorra por meio do registro de um contrato particular, vejamos alguns exemplos:
- · Em se tratando de compra de imóvel com valor igual ou inferior a 30 salários-mínimos vigentes;
- · Quando o contrato é celebrado no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação;
- · Quando se trata de contrato de alienação fiduciária;
Os compromissos ou promessas de compra e venda também podem ser averbados na matrícula, conferindo direitos ao comprador, no entanto, eles não transferem a propriedade do imóvel.
O registro da escritura pode não ser aceito pelo cartório de registro de imóveis se houver diferenças nas características do imóvel, constante na escritura e na matrícula. Vamos a um exemplo prático.
Se na matrícula só existe o lote, já que a construção realizada posteriormente ainda não foi averbada, caso a escritura traga a descrição da área construída, o cartório pode se recusar a realizar o registro.
Tanto o registro quanto a averbação dos atos e negócios jurídicos relativos são obrigatórios e conferem segurança jurídica, principalmente ao proprietário do imóvel.
O que a matrícula do imóvel pode mostrar?
A avaliação minuciosa da matrícula do imóvel é de fundamental importância para a segurança do negócio.
Na matrícula pode constar gravames que podem interferir e até impedir a negociação.
Veremos alguns registros que indicam possíveis problemas ou trazem importantes informações para os negociadores.
· Bem de família
O imóvel pode estar gravado como bem de família na matrícula.
O instituto do bem de família é abordado pelo Código Civil de 2002, que trata do Bem de Família voluntário nos artigos 1.711 a 1.722.
Vejamos o que diz o artigo 1.711:
Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial.
O bem de família voluntário, depende da iniciativa do casal para que seja instituído, e torna o imóvel inalienável.
Há ainda outra forma de instituição de bem de família, que não o voluntário: é o bem de família legal ou obrigatório, instituído pela Lei nº 8.009/90, que determina a impenhorabilidade do imóvel residencial, independentemente da instituição do bem de família voluntário.
O bem de família legal é instituído sem as formalidades do bem de família voluntário, dispensando o registro, e não torna o imóvel inalienável.
Isso quer dizer que somente poderá ser vendido com autorização judicial e a devida manifestação do Ministério Público, na hipótese da impossibilidade de manter a sua inalienabilidade.
Ou seja, se na matrícula do imóvel há a instituição do bem de família, ele não poderá ser vendido enquanto tal cláusula não for retirada.
O bem de família voluntário é extinto quando ocorre a morte de ambos os cônjuges e todos os filhos atingem a maioridade. O divórcio, não extingue o bem de família.
· Hipoteca, Penhora, Arresto, Sequestro
Esses são pontos importantes para análise da matrícula do imóvel, vamos entender um pouco sobre cada um deles:
A hipoteca é uma forma de utilizar o imóvel para garantir uma dívida.
Onde, não ocorrendo o pagamento, o credor pode cobrar a dívida judicialmente e o imóvel responderá por ela, ainda que já tenha sido vendido a um terceiro.
A penhora é um instrumento judicial que objetiva bloquear bens de um devedor para pagamento de uma dívida, podendo ser vendidos de forma forçada em hasta pública (leilão).
A venda de imóvel penhorado em leilão, pode ocorrer, mesmo que o proprietário já tenha realizado uma venda recente e o comprador tenha registrado a escritura definitiva, tornando-se proprietário.
Isso porque, a penhora tem prioridade sobre a venda.
Nada impede que o imóvel seja vendido, mesmo com o registro da penhora na matrícula do imóvel. Mas, caso isso ocorra, ou seja, o imóvel penhorado venha a ser vendido pelo proprietário – executado na ação de cobrança – essa venda é ineficaz.
E se houver penhora na matrícula, o comprador não poderá alegar que não sabia dela.
O arresto é semelhante à penhora, pois seu objetivo é a garantia de pagamento ao credor. A diferença é que o arresto é uma medida provisória (cautelar, conforme art. 301 do novo CPC), que vem antes do ato de penhora. O arresto que recai sobre determinado imóvel poderá converter-se em penhora posteriormente.
Já o sequestro não garante uma dívida, pois visa proteger um determinado bem que está sob litígio. Assim diz o art. 301 do Código de Processo Civil:
A tutela de urgência de natureza cautelar pode ser efetivada mediante arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem e qualquer outra medida idônea para asseguração do direito.
Uma vez que exista o registro de penhora, arresto ou sequestro, na matrícula do imóvel, o comprador não poderá alegar que não tinha conhecimento disso, tendo em vista o caráter de publicidade do registro imobiliário.
Aquilo que está na matrícula presume-se que é de conhecimento do comprador.
Na hipótese do comprador querer adquirir um imóvel que esteja penhorado, sob arresto ou sequestro, deve entrar em acordo com vendedor e o credor, assumindo os riscos e as dívidas – que devem incluir possíveis custas judiciais e honorários advocatícios.
A análise da matrícula do imóvel pode indicar ainda:
· A existência de um contrato de locação vigente
A Lei nº 8.245, de 1991, que dispõe sobre a locação de imóveis urbanos, confere alguns direitos ao locatário e sublocatário, desde que, o contrato esteja devidamente averbado na matrícula, como o direito de preferência na compra e a possibilidade de exigir que o novo proprietário respeite o período de vigência do contrato de locação.
· A existência de um usufrutuário
Caso exista um usufrutuário do imóvel a ser comprado, ainda que o novo proprietário adquira a propriedade por meio da compra e venda, não poderá usufruir do imóvel, na hipótese de existir um usufrutuário vitalício.
Aquele que vende o imóvel com usufruto, é na verdade um nu-proprietário, pois só tem a propriedade, o usufruto pertence a outro, o qual tem o direito de usar o imóvel e colher seus frutos/rendimentos. Somente com a morte, ou renúncia do usufrutuário, que o proprietário poderá usufruir do imóvel, não sendo possível comprar o usufruto.
· A existência de uma promessa de compra e venda
A promessa de compra e venda ou o compromisso de compra e venda podem ser averbados na matrícula do imóvel e uma vez estando lá, para que seja vendido a outra pessoa que não o compromissário ou promitente, esse só conseguirá registrar sua compra e venda depois que se proceder com o cancelamento da promessa ou do compromisso.
· A existência de citações em ações judiciais
A matrícula do imóvel pode conter citações em processos judiciais, sendo necessário consultar tais processos para que se tenha informações necessárias que possam instruir o negócio com os riscos da compra.
Percebeu com a análise da matrícula do imóvel é importante?
*** Este artigo foi originalmente postado no JusBrasil: https://advogadafabianamendes2227.jusbrasil.com.br/artigos/1780509307/analise-da-matricula-do-imovel