A pergunta “E depois que eu me for?” ecoa com intensidade no coração de pais e mães de pessoas com deficiência.
A incerteza sobre o futuro dos filhos: quem cuidará deles, como terão acesso aos recursos necessários, e de que forma estarão juridicamente protegidos, é uma das maiores fontes de angústia familiar.
Essa inquietação, embora profundamente humana, pode ser enfrentada com prudência e estratégia jurídica por meio do planejamento sucessório, instrumento que transforma o amor em segurança jurídica e o cuidado em proteção duradoura.
Por que o planejamento sucessório é essencial para famílias com pessoas com deficiência
Pais de pessoas com deficiência buscam, cada vez mais, planejar juridicamente o futuro de seus filhos. O objetivo é garantir proteção, segurança financeira e continuidade do cuidado após o falecimento dos responsáveis. Trata-se de uma medida de elevada relevância jurídica e social, pois essas pessoas, em regra, apresentam maior vulnerabilidade patrimonial e dependência familiar para sua manutenção e bem-estar.
Sem um plano, o patrimônio pode ficar sujeito a disputas, má administração ou até ser dilapidado. Com um planejamento bem estruturado, é possível assegurar que os recursos deixados sejam utilizados exclusivamente para o cuidado e a dignidade do herdeiro com deficiência.
O que é o planejamento sucessório e o que ele pode incluir
O planejamento sucessório é o conjunto de medidas jurídicas adotadas em vida pelo titular de bens, com o objetivo de organizar como e a quem seu patrimônio será transmitido após o falecimento.
Mais do que dividir bens, o planejamento busca criar um ambiente jurídico e financeiro estável, garantindo que o herdeiro com deficiência tenha acesso contínuo a cuidados, moradia, tratamentos e sustento, evitando disputas familiares e má gestão dos recursos.
Entre os instrumentos mais utilizados estão:
Testamento com disposições específicas para o filho com deficiência;
Doação com cláusulas restritivas, como inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade;
Usufruto
Fideicomisso (art. 1.951 do Código Civil
Criação de holding familiar, centralizando e profissionalizando a gestão patrimonial;
Designação antecipada de curador ou administrador de confiança.
Essas ferramentas podem ser combinadas, conforme o grau de autonomia da pessoa com deficiência e as características do patrimônio familiar.
A autonomia e a proteção jurídica do herdeiro com deficiência
A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) trouxe uma nova visão: pessoas com deficiência possuem direitos plenos de capacidade civil, salvo nos casos em que realmente precisem de apoio.
Isso significa , por exemplo, que o autismo, por si só, não implica incapacidade.
Um adulto com Transtorno do Espectro Autista (TEA) que tem discernimento pode herdar, administrar bens, abrir conta bancária e realizar negócios jurídicos normalmente.
Já quando há comprometimento cognitivo que afeta a compreensão dos atos da vida civil, é necessária a curatela proporcional, conforme o artigo 84, § 3º da Lei nº 13.146/2015.
Exemplo prático:
Imagine um jovem autista que entende o valor do dinheiro e as decisões básicas da vida cotidiana, mas tem dificuldade para lidar com documentos e contratos.
Nesse caso, o juiz pode nomear um curador apenas para os atos patrimoniais mais complexos, preservando a autonomia nas demais áreas da vida.
A importância de definir o curador antecipadamente
Um dos passos mais importantes do planejamento é a escolha do curador — a pessoa que representará ou assistirá o herdeiro nos atos da vida civil.
O artigo 1.775, § 1º do Código Civil permite que os pais indiquem, em testamento ou escritura pública, quem exercerá a curatela após o falecimento. Essa indicação tem presunção de legitimidade e orienta a decisão do juiz quando a curatela for formalizada.
É possível, inclusive, indicar um curador substituto para o caso de impossibilidade do primeiro nomeado, prevenindo disputas familiares e garantindo continuidade ao cuidado.
Exemplo:
Em um testamento, os pais podem declarar:
“Nomeamos nossa filha Maria como curadora de João, devendo administrar seus bens e zelar por seu bem-estar. Em caso de impedimento, designamos nosso sobrinho Carlos como curador substituto.”
Limites e controle da curatela
A curatela deve ser proporcional às necessidades e respeitar a autonomia da pessoa com deficiência.
Ela pode abranger:
Administração de bens e rendas;
Celebração de contratos;
Representação em processos judiciais;
Recebimento de benefícios, pensões e aluguéis.
Para prevenir abusos, é possível exigir que o curador preste contas regularmente.
Instrumentos patrimoniais mais usados
1. Doação com cláusulas restritivas ou encargo
Permite que os pais doem bens em vida ao herdeiro com deficiência, assegurando que:
o bem não possa ser vendido (inalienabilidade);
não seja penhorado por dívidas (impenhorabilidade);
não integre o patrimônio conjugal (incomunicabilidade).
Já a doação com encargo é aquela em que o doador impõe ao donatário uma incumbência em seu benefício, em proveito de terceiro ou do interesse geral.
3. Fideicomisso
Previsto no art. 1.951 do Código Civil, o fideicomisso é uma solução sofisticada e segura.
O testador nomeia um beneficiário fiduciário (por exemplo, o filho autista), que usufruirá dos bens durante a vida, e um fideicomissário, que herdará após o falecimento do primeiro.
4. Holding familiar
Nesse modelo, os bens da família são transferidos para uma empresa, e as quotas sociais são distribuídas entre os herdeiros.
O herdeiro com deficiência pode ser sócio e receber lucros mensais ou trimestrais, sem participar da administração — que fica a cargo de familiares ou gestores designados.
Essa estrutura facilita a gestão profissional, evita litígios e assegura sustentabilidade financeira a longo prazo.
Planejamento financeiro aliado à curatela
O planejamento sucessório deve dialogar com o planejamento financeiro.
Isso significa criar fontes estáveis de renda — como aluguéis, aplicações, dividendos ou fundos específicos —, de modo que o curador não precise vender bens para custear despesas do curatelado.
Uma holding familiar, por exemplo, pode gerar lucros mensais que cubram tratamento, moradia e lazer do herdeiro, sem depender da liquidação de patrimônio.
Conclusão
O planejamento sucessório é, em última análise, um ato de amor com efeito jurídico.
Ele permite que os pais continuem cuidando dos filhos, mesmo após a própria ausência, garantindo-lhes dignidade, segurança e continuidade de cuidados.
Mais do que um instrumento técnico, é uma forma de assegurar que o amor se converta em amparo concreto, transformando a preocupação em tranquilidade — tanto para os pais, quanto para o futuro de quem mais amam.
O escritório Fabiana Mendes Advocacia é dedicado à condução estratégica de soluções jurídicas envolvendo planejamento sucessório.
Com sede no centro de Curitiba/PR e atuação online em todo o território nacional, por meio de processos eletrônicos e atendimentos por videoconferência, o escritório tem se consolidado como referência na área.
A atuação é liderada pela advogada Fabiana Mendes, profissional com mais de 12 anos de experiência, professora de Direito Imobiliário e especialista em Direito das Sucessões, Planejamento Patrimonial e Sucessório.


